Depoimento de Nadyr Prado, 76 anos, a mãe do Sexto, para Sandra Solda, sobrinha do idem.
“Marcos Prado, em primeiro lugar, foi meu filho. O Marcos, difícil de explicar, era especial, tinha uma inteligência fora do normal e ansiava por aproveitar tudo isso, a capacidade que tinha de falar, de escrever, de fazer amigos, de discutir, de questionar tudo. Era muito alegre, onde estava tinha alegria, discussão, coisas que ele procurava. Quando estavam todos quietinhos num lugar, sem animação, procurava um grupo e semeava uma discussão, de futebol, de política, de qualquer coisa, e quando estava todo mundo animado, discutindo, saía e ia pra outra.
Desde os nove anos escrevia, fazia histórias em quadrinhos junto com os irmãos, tinham personagens, procuravam desenhar, sem saber. Escrevia, falava, e dava palpites. Era uma criança fácil de lidar, o menorzinho dos meninos, não incomodou quando era pequeno, era inteligente, não tinha aquelas coisas de criancinha que ficava implicando com uma coisa ou com outra, tinha mais o que fazer.
Ele gostava de fazer amigos, na escola tinha amigos, era amigo dos professores. Uma vez ele corrigiu o professor de português na aula e quase foi expulso da escola. Mas depois o professor falou-me que o Marcos realmente estava certo. O que acho errado era corrigir um professor, ele tinha dez anos, já sabia que não podia fazer isso.
Gostava de jogar handebol, tinha as medalhinhas dele, gostava de esportes, o queridinho do professor. Mas quando chorava, ele berrava, quando o Beco judiava dele, dava um tapinha, empurrava, qualquer coisa, abria a boca, berrava bem alto (risos). Até hoje os irmãos lembram disso. Era amigão do Beco, porque os irmãos são assim, uns são mais amigos. Adorava a Carmen Silvia, e ela também. A Vera, com o Marcos, era uma “coisa” os dois juntos.
Marcos era uma criança normal, tinha grande senso de humor, às vezes até demais, espantava as visitas. O pai dizia que ele seria o trabalhador da família (morreu quando Marcos tinha três anos), porque o Pedro e o Beco escapavam de qualquer coisa que tinham que fazer, como juntar o material escolar, por exemplo. Ele era organizado, ia lá e fazia.
Era carinhoso, quando via alguém que não estava bem de saúde, doente, ficava ali agradando e queria dar remédio, ficar cuidando.
Um fato diferente é que todos na minha família me tratam por “você”, e o Marcos era o único que me chamava de senhora, dizia que o certo era assim, que mãe é mãe. Alegre, tinha uma risada espontânea, onde estava aquilo se espalhava, ele ria mesmo, e não tinha tristeza.
Gostava de abraçar, de beijar a mãe, e de conversar, conversar, sobre vários assuntos, da escola. Era o único que contava da escola. Tinha mania de dizer que estava com “dor na alma”, o que eu acho que era uma tristeza, e ele dizia que era uma “dor na alma”.
Quando ele teve a filha, Araiê, foi uma alegria enorme, era louco pela filha, e depois se separaram, ficou longe dela e foi muito difícil. Ele era muito criança.
Como mãe, tenho orgulho pelo talento dele, a honestidade como gente, e mesmo com os problemas todos que tinha, era respeitado. Solto na rua como ele ficou um tempo, indo pra lá e pra cá, era honesto com os outros, essencialmente bom caráter, e se a pessoa é assim, passa por muitas coisas sem se machucar.
O que mais alegrava o Marcos era estar com os amigos, conversar sobre música, literatura, cantar, gostava muito de música brasileira, conhecia a fundo, sabia tudo, os antigos mestres da música.
Marcos era o mais inteligente dos irmãos, pelas posições dele, pelo que ele falava, pensava das coisas, reagia. A Vera sempre diz que o Marcos era o irmão mais velho dela, aquele que queria que fizesse tudo certinho, não faça isso, não faça aquilo, isso não está certo, queria tudo correto.
Quando criança, sempre foi normal. Jogava bola, brigava, corria, etc. Já o Beco, escrevia dia e noite. Porém também dava umas jogadinhas de bola, e uma vez, durante o jogo, pisou na mão do Marcos e quebrou a mão dele, isso virou piada para a vida inteira (risos). E como ele chorou. Era muito bom para os irmãos, era mais agarrado comigo, e o pai era agarrado com ele.
Com a morte dele ficou faltando um pedaço em mim, eu não sou mais inteira. Ainda mais um filho que é sempre lembrado, parece que não morreu. O Marcos tem alguns sobrinhos que fazem coisa parecida com o que ele fazia, e a gente sempre comenta.
Muitos achavam que ele não tinha família, era apenas irmão do Beco, que ele era um coitado que não tinha família, mas tinha mãe, seis irmãos e dezoito sobrinhos, alguns mais novos, que não o conheceram, mas todos gostam muito dele.
Ele era outro em casa, amável, com os problemas dele, claro, mas era alegre, atencioso com os outros, e gostava de fazer carinho. Pela sobrinha, Caroline, ele tinha verdadeira adoração e ela por ele. Fez até um poema dedicado a ela. O nosso Marcos era bom, íntegro, e amado por todos.
Em relação ao livro que vai ser lançado, significa que ele não viveu em vão, a vida dele está sendo lembrada, fez alguma coisa diferente de outras pessoas na mesma condição dele, e deixou essa herança. É lógico que a gente sente orgulho, acho ótimo o lançamento do livro e agradeço às pessoas que se interessaram e colaboraram para fazer tudo isso”.
21/11/2005